Quando saí do Brasil, eu tinha apenas 22 anos, e pouquíssima experiência profissional. Havia trabalhado em uma empresa de tele marketing (aquelas vendas de produto que passa na tv e a pessoa liga pedindo pra comprar), uma video locadora (sim, quando isso era um negócio ainda e sim sou mais velha do que você pensa), e na parte administrativa de uma agência de intercâmbio (trabalho esse que me sustenta em conhecimento dessa área até hoje).
Minha pouca experiência me inibiu um pouco de sair por aí, batendo de porta em porta, pra conseguir um trabalho administrativo quando cheguei em Londres. Apesar de falar inglês fluentemente, eu tinha vergonha e medo, pois nunca havia falado inglês de forma tão profissional, pra escritório. Eu também não tinha a mínima ideia de onde começar com a minha busca por um trabalho melhor.
Fui atrás do que apareceu: loja. Foi bacana mas, depois de 1 ano, comecei a querer mais. Eu queria um trabalho que me pagasse mais, em que eu trabalhasse menos horas, usasse menos do meu físico (na loja, eu ficava em pé muitas horas durante o dia e carregava muitas caixas), e, acima de tudo, eu queria sábados e domingos livres (impossível em loja).
Não vou mentir pra você e dizer que foi fácil, foi um processo. Nessa época não existia Rach, e as redes sociais não eram utilizadas da forma como são hoje. Informações não eram facilmente encontradas e eu pelejei pra conseguir entender como fazer a transição loja-escritório.
Como eu não sabia por onde começar, a única conclusão lógica que consegui pensar foi que, se eu não sei como começar, eu preciso falar com quem sabe. Então, pedi pra minha amiga Gabi, que nessa época tinha acabado de fazer essa transição, pra me enviar o currículo dela pra usar como template, e perguntei pra minha amiga Arsha, se ela conhecia alguma agência de trabalho focada em administração. A Gabi não era do mesmo setor que eu tinha experiência, então precisava de indicação de alguém que fosse.
Mesmo com essas informações, ainda não me sentia prepara pra aplicar, então, segui na loja por mais alguns meses. Até que, chegou o Natal. E com ele, o Boxing Day. E esse dia foi o caos do inferno na terra pra mim!
Eu trabalhei em uma loja de departamento no Boxing Day (é tipo a Black Friday ou o aniversário do Guanabara para os cariocas), de 7h da manhã as 22h. Com 3 intervalos de 20min ao longo do dia. Foi o dia inteiro em pé, sendo empurrada, xingada, levando beliscão, com gente puxando meu cabelo e passando carrinho de bebê em cima do meu pé. Tudo isso por um perfume 80% off.
Foi nesse dia que o jogo virou. O dia inteiro foi sofrido, suado, e, apesar de eu ter sido muito bem paga obrigada (15 libras a hora), não valeu a pena. Meu emocional ficou exausto, fiquei frustrada, com raiva e muita mágoa dos clientes mal educados. O medo que eu tinha de aplicar pra um trabalho mais interessante deu lugar a uma imensa garra e vontade de mudar! Deixou de ser sobre a minha capacidade de conseguir isso e passou a ser sobre a minha necessidade de conseguir isso.
E foi com o foco na vida que eu não queria mais levar, que consegui conquistar o tão sonhado trabalho em escritório. Com o novo currículo na mão (que hoje vejo que era um bom template porém fraco), eu mandei email pra algumas agências de trabalho temporários para escritório.
Como fiz isso entre o Boxing Day e o ano novo, assim que a recrutadora chegou no escritório dia 02 de Janeiro, o primeiro e-mail que ela viu foi o meu. Assim como o da Paulette, office manager da Incisive Media, que dizia: “preciso urgente de uma recepcionista temporária”.
E, lá fui eu, dia 03 de Janeiro de 2008, as 7:35h da manhã, me encontrar com a recrutadora. Porque tão cedo, Rach? Porque eu tinha me comprometido com o museu, e lá o trabalho começava as 9h, e eu não podia me atrasar. A recrutadora, muito compreensiva, e, claro, muito necessitada de uma pessoa para começar o quanto antes, topou me entrevistar nesse horário.
Consegui o trabalho. Comecei na segunda seguinte. Conheci a Paulette, que virou minha chefe por muitos anos, e eventualmente, uma amiga muito querida. Eu era só temporária, mas dali, cresci e floresci. Mas, essa história, eu deixo pra um outro dia.
O importante aqui é reiterar o quanto foi importante dar esse primeiro passo. Eu me agarrei a dor que eu senti naquele Boxing Day, assim como a Kate Winslet se agarrou naquela porta no filme Titanic. A sensação é que, se eu não me agarrasse nesse sofrimento pra me motivar a ir em busca de um trabalho melhor, eu iria me afogar., não sei se eu teria sustentado mais 1 mês de loja depois da experiência sombria no Boxing Day. E isso foi um ótimo motivador a me fazer enxergar que era hora de mudar.
Dali, não havia medo, não havia insegurança, não havia a pouca experiência profissional e parei de me sentir incapaz. A única coisa que eu conseguia enxergar, é que eu merecia mais.